Vou para a Biblioteca

 

A Biblioteca Pública Municipal do Porto irá encerrar para obras a 1 de Abril. E uma parte de mim também irá fechar para obras.
Esta casa dos livros do Porto, foi, enfim, uma segunda casa durante mais 20 anos.
Muita leitura de publicações periódicas do século XIX ao XXI, imensas requisições de documentos, centenas de fotocópias.
Muitas boas horas extraordinárias (como o nome do blogue da Maria do Rosário Pedreira) de leitura na horizontal, na vertical e na diagonal de literatura hetero, bi e gay, portuguesa, brasileira, francesa, norte-americana.
Pesquisas sobre questões linguísticas e jornalísticas, do aborto, LGBTQI+, poesia, literatura canónica e marginal, estudos literários, estudos portugueses, teoria da literatura, crítica literária, ensino do português, didáctica, maçonaria, política, literatura portuense e algarvia.
Alguns dos muitos cá de casa: Heliodoro Salgado, Faustino Xavier de Novais (inesquecível trabalho de casa para uma aula de Brasileira do prof. Arnaldo Saraiva, entre o Cemitério do Prado do Repouso e a Biblioteca de São Lázaro), Manuel Teixeira Gomes, nomes tão distantes e antagónicos como um José Simões Dias pós-romântico/garrettiano e heteronormativo e um pós-moderno "queer" e pornográfico Dennis Cooper, Álvares de Azevedo e Vasco Pulido Valente, António Lobo Antunes, António Ramos Rosa, Lindeza Diogo, Eduardo Pitta, Óscar Lopes, Maria Teresa Horta, Clarice Lispector, "Os pobres são malucos" (até a simpática senhora da reprografia se fascinava com os títulos dos livros que eu pedia para fotocopiar!), de Cesare Zavattini, delicioso livrinho recomendado numa deliciosa crónica da «Visão» pelo saudoso Manuel António Pina.
Nossa, que delícias tantas e tamanhas nestes anos de leitura, pesquisa, escrita, bibliomania, grafomania!
Também muitos bons dias, sorrisos e "dolce far niente", em italiano, espanhol, português europeu e brasileiro, latim e francês.
Trocas de olhares e falares com homens formosos e mulheres interessantes, leitores e leitoras como eu, sem mesquinhez, fanatismos e preconceitos, mentes abertas como os livros (penso que esta é do Herculano, um dos históricos diretores de São Lázaro: "livros cerrados não fazem letrados"), possíveis e/ou impossíveis almas gémeas, engates de ocasião (diz a voz do povo: gatos de discoteca seduzem em discoteca, ratos de biblioteca engatam em biblioteca), amores perdidos e achados.
Enfim, colegas, que se espera de um pobre rato de biblioteca entre publicações periódicas?! Raríssimos sucessos no amor, uns poucos de sucessos no saber.
Uma vez, vi e revi-me mesmo num rato-mesmo-rato-rato-rato (olha acolá um rato, aquele é literalmente um rato de biblioteca!) de biblioteca a passear-se no intervalo das suas pesquisas nos claustros deste antigo convento e hoje lugar de literário contento.
Deixo o Bonfim. Deixo os senhores do Bonfim.
Agora terei de tratar de ir ratar, folhear, e engatar para outra freguesia. 

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